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domingo, 14 de maio de 2017

Talvez Uma de Sentimento / Fábio de Carvalho Maranhão

XXII

Micro Crônica

Outro dia, conversando com o Fabrício, repreendi o amigo por não concordar com a vulnerabilidade em que ele levava adiante questões sentimentais. O sujeito sempre foi complicado por natureza. Bebia muito, fumava muito, estragava-se demais. Quase não dormia a noite, pois mesmo sem ser abastardo financeiramente, gostava e pousava na boemia. Para se ter uma ideia, só bebia Wisk e Vinho de primeiríssima qualidade. Não andava sujo. Tomava vários banhos por dia. O problema dele é que não largava o copo e seus tragos. Vendo e convivendo de certa maneira a situação, falei-lhe que era hora de arrumar sua vida e mudar alguns hábitos, pois do jeito que ia, terminaria envelopado o quanto antes. O cujo dito, sem eu esperar, saltou com quatro pedras nas mãos dizendo:

___ Meu pai e minha mãe já morreram! O resto é resto pra mim. Dane-se quem achar ruim!

Uma vez que sua resposta rimou, perguntei-lhe se era poeta rimador ou debulhador de mote glosado. Sem esperar novamente, levei um susto com a resposta que quase piso em falso no meio-fio da calçada.

___ Só faço rima pra cabra safado e intrometido.

Levei na esportiva e continuei a conversa com Fabrício, e percebi no seu semblante que tentava afogar algo na bebida. Era começo de noite, e em dias de sexta-feira, costumava pegar seu violão, sentar na curva da esquina do Bar de seu Bira e mandar umas de Núbia Lafayette, Nelson Gonçalves e especialmente Reginaldo Rossi. Ali a noite virava madrugada e o violão vadiava muito. Essas noitadas lhe renderam dinheiro, bebida, cigarro, charuto e mulheres. Não posso mentir que o danado era vistoso. O cabra era tão ousado que mandou colocar dois dentes de ouro na boca só para completar seu visual de boêmio. De fato era vaidoso.

Não vou me estender aqui com um texto recheado de frases e detalhes. O importante aqui é dizer que quem ver cara não ver coração. Principalmente de pessoas que às vezes carregam um semblante alegre e gostam da boemia. Lembro que antes de Fabrício sumir no meio do mundo, disse-me uma frase que ficou guardada até hoje como uma espécie de adágio ou ensinamento:

___ "Quem liga para o coração dos outros se as vezes se maltrata tanto o próprio?"

Ele, olhando para mim, produziu um brilho nos olhos tão intenso que me deixou triste. Foi à última vez que vi meu amigo boêmio com vida. Faleceu dez anos depois, com um livro de Kafka no colo e uma garrafa de café ainda quente na mesa, a xícara vazia e o violão afinado ao lado. Eu não sabia onde ele morava, pois sumiu sem dizer para onde ia. Doeu-me o fim de Fabrício. Era boa pessoa. Sofria muitas coisas calado. Falava pouco e lia muito. Bebeu muito também. Viveu muita coisa, especialmente quando saiu do interior de Pernambuco para ganhar a vida em cidade grande. Morou na rua, viveu de favor, comeu xingado. Mas o problema maior de Fabrício foi que ele amou demais, e ainda por cima, a mulher que ele amou não pode lhe seguir...

Fábio de Carvalho [Maranhão]
14/05/2017 - 19h15min - 19h49min - Domingo, Cortês-Pernambuco.

Escritório de Trabalho [Biblioteca Particular]

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