XII
Geralmente quando as coisas andam
complicando a vida de políticos influentes dá-se um jeito de encobrir os
assuntos mais evidentes enxertando nos Jornais manipuladores, notícias
sensacionalistas com o objetivo de tirar a atenção do povo quando os assuntos principais
versam, por exemplo, sobre, Crise Penitenciária, que não é um problema de hoje
e Delação Premiada da Lava-Jato. O fato mais recente relaciona-se a tal da
Operação Carne Fraca, que em essência, é muito importante que se apure e
punam-se os infratores. Só que mesmo no momento dessa falcatrua toda, a mídia,
acolitada com alguns partidos políticos delatados, ao que me parece, tenta
tirar o foco das notícias, deixando transparecer que só o tal problema é
suficiente desencadear a 3.ª Guerra Mundial, e isso como se ela já não tivesse
começado logo após o ano de 1945. Mas não quero me ater aqui em falar sobre
essa cultura histórica do estupro sobre a coisa pública. O alvo de hoje é uma
narrativa acerca do sujeito que foi enterrado vivo, e depois de quase oito
anos, ressuscitou, abrindo e fechando a boca, feito peixe em rio de lama, parecido
com a tragédia de Mariana-MG.
Demerval Apocalíptico me foi apresentado
por um velho amigo que morou lá para as bandas do interior paraibano, na cidade de Catolé do Rocha, Sertão. A ocasião foi
favorecida quando em uma das minhas viagens para Itabaiana, encontrei, sem esperar,
Vicêncio Vaqueiro, mais conhecido por Diabo dos Rodeios. O abraço foi travado,
e depois, nos sentamos para tomarmos uma Cachaça Matuta, originária da cidade
de Areia-PB no Bar de Geovane, na
Rodoviária Tabainhense. Durante nossa conversa, surge Demerval. Figura abatida,
usando vestes humildes, sandália e chapéu de couro, espora na mão, um palito de
dentes atrás da orelha esquerda, um saco de fumo e uma caixa de fósforos no
bolso da camisa. Trabalhava pelas fazendas da região, tomando conta de gado
magro e bodes afoitos. Mas um problema lhe era recorrente, fora o de não ter
família nem uma casa própria: não durava em serviço. Sempre estava rodando
pelas fazendas a procura de um trabalho que lhe garantisse certa instabilidade,
e quem sabe, o favorecesse a arranjar uma matuta gente boa para se casar.
___ Ande cá, Demerval. Chegue pra perto de
nós. Vamos tomar uma e conhecer meu amigo aqui.
A cena se desenhava, e como observador que
sou, percebi a resistência do indivíduo. Mas logo ele se aproximou e ficou mais
a vontade. Demerval é desses sujeitos que falam pouco, especialmente em
situações onde, por desventura, seja ele, vítima, como em Mário de Sá Carneiro, ao narrar A Confissão de Lúcio em 1914. Durante uma fala nossa e
outra, em meio ao silêncio daquele sujeito Apocalíptico, emendei um adágio que
muita gente do interior de Pernambuco costuma dizer:
___ Demerval, "conta a tua
história".
De pronto, o amigo do meu velho amigo mirou
meus olhos como se quisesse me falar algo além da sua história. Só que dessa
vez, ele não calou. Engoliu um copo de cachaça e com um pedaço de queijo
manteiga na mão, começou a narrar parte do seu legado...
___ Passei quase oito anos preso. Injustamente.
Fizeram uma covardia comigo, só porque eu sou pobre. Lá na cadeia eu ficava em
um quarto, pra não chamar cela, de quatro metros quadrados. Só dava pra cinco
pessoas, mas sempre colocavam mais. A comida parecia lavagem. Menos o café da
manhã. O banheiro só tinha um chuveiro, uma torneira e um buraco no chão para
fazermos as nossas necessidades. E o pior é que o diabo do assassino confessou
o crime, mas sabe como é não é? Quem tem amizade grande é outra coisa. Caiu pra
mim toda culpa. Eu inexperiente, aceitei o dinheiro do condenado. Depois
arranjaram um advogado pra mim, e na primeira tacada, tive que mandar vender
quatro vacas holandesas de leite que eu tinha e dar ao infeliz metade do
dinheiro que o bandido havia me dado para eu ficar calado. Mas eu não tive
escolha. Se eu não tivesse aceitado, ele mandaria me apagar dentro do presídio.
Depois disso, nunca mais vi a cara do advogado. Acho que nem era advogado. Foi
tudo armação. Deram-me um papel para eu assinar que eu nem sei o que até hoje
eu nem sei o que foi. Deve ter sido um depoimento daqueles que os presos
políticos eram obrigados a assinar na época da Ditadura Militar aqui no Brasil.
Vai ver eu assinei foi a minha condenação. Eu decidi que aquele era o meu
destino, pois eu temia pela minha vida. E o que o Adolfo fez não se faz.
Imagina só: Colocar fogo com gasolina e tudo em uma casa grande de engenho só
porque gostava da mulher do tal sujeito lá, que não sei nem o nome... Isso é
coisa? Sobrou pra mim. Depois de cumprida a sentença, seu Maranhão, eu nunca
mais achei os amigos antigos. Amigos não, pois nunca foram nem me visitar nem
saber a verdade. Um tio que eu tinha endoidou por um rabo de saia e foi-se
embora morar com uma jovem contando quase vinte e cinco anos mais nova do que
ele. Dizem que foi-se embora para a Bahia. De resto, fiquei sujo. Quando os
donos das fazendas descobrem "o que não fiz", me mandam embora e eu
fico rodado. É sempre assim. Só tenho as roupas do corpo, essa faca de 12 e
esse facão para usar no trabalho. Estar vendo aquele cachorro ali? Só não é meu
porque não quero. Mas só vive atrás de mim. Não larga meu pé. E pra terminar,
depois que conheci seu Vicêncio, o vaqueiro aqui foi que a coisa clareou
um pouco, porque quando eu não arranjo trabalho, o amigo me socorre. Tirando
isso, fui enterrado vivo durante quase oito anos... Mas graças a Deus eu
ressuscitei, amigo...
___ Será que esse tráfico de influência
ainda existe?
___ Hora, se existe!
___ Mas os presídios de hoje devem ser modelos de modernidade para reabilitação. Ao menos isso...
Fábio
de Carvalho [Maranhão]
19/03/2017,
08h31 - 09h33min- Domingo, Cortês-PE, Escritório de Trabalho [Biblioteca
Particular].
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