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domingo, 26 de março de 2017

A Intolerância Religiosa Anda Solta / Fábio de Carvalho [Maranhão]

XIII

Certo dia, quando tive a oportunidade de conversar com o amigo Jofre Belizário na capital pernambucana, pude refletir sobre diversas questões relacionadas à tolerância, respeito, boa convivência e principalmente, o respeito à cultura plural que consagra a humanidade. Vi nos olhos do amigo, uma coisa que há muito não constatava nas pessoas quando expunham suas opiniões ou discutiam sobre assuntos distintos: seus olhos brilhavam quando a conversa inclinava para aspectos da fé e da religiosidade humana. Parte da conversa merece destaque tanto para acentuar práticas religiosas de pessoas quanto para demonstrar a ignorância de outras.

Estávamos em frente à Igreja do Carmo quando iniciamos o diálogo, e entre um diálogo e outro, um fato que me chamou atenção foi sobre um momento cigano, se é que assim o posso chamar, ocorrido na Capital do Agreste de Pernambuco, Caruarú, quando uma pessoa do seu circulo de amizade, ao encontrar uma cigana, foi surpreendido por ela ao expressar a vontade de querer ler a sua mão. Se a memória não me falha, o diálogo discorreu da seguinte maneira...

___ Bom dia, abençoado!
___ Bom dia!
___ O senhor me deixaria ler a sua mão?

Em um piscado de olhos, o tal sujeito, segundo Jofre, respondeu de forma áspera e pejorativa:

___ Só se a senhora me deixar ler a sua!
___ O que o senhor disse?
___ Nada não! Deixa pra lá!

A cigana, sem compreender já compreendendo a falta de respeito, que por sinal, lhe ocorria com frequência, ficou a observar o indivíduo caminhando, e sem nem olhar para trás, sorria por deboche, sem calcular o tamanho da falta de respeito que acabara de praticar. Jofre, em um tom mais respeitoso, olhou para a Cigana, e proferiu:

___ Perdoe o meu amigo. Ele é resultado da mistura de intolerância com fanatismo. É um pobre diabo que só acredita no dinheiro e nos efeitos que ele pode causar. Ademais, não pensa em outra coisa a não ser ganhar dinheiro.

O dileto amigo me contou essa história, e da mesma forma lembrei-me de um ato de ignorância e intolerância que chocou, talvez, o mundo. Mas como a conversa não deu brecha para eu emendar com essa infeliz lembrança, resolvi escutar o amigo e refletir sobre a questão...

___ Sabe Demóstenes, observando essa igreja de Nossa Senhora do Carmo, lembrei-me de uma cerimônia religiosa que assisti pela televisão, aonde as palavras do líder nada mais fazia do que ofender outras religiões, em especial, as religiões Espíritas, Matrizes Africanas e em geral, a Umbanda. Até parecia que aquele líder da sua igreja, estava incitando a violência contra pessoas que professam e praticam livremente sua fé, que em outra leitura, remete-se a sua cultura, que porventura, trata-se da cultura dos povos que nos precederam historicamente falando. A Umbanda, todos sabem, é uma religião nascida aqui no Brasil, mas que expressa elementos da cultura religiosa dos povos africanos, e que através do sincretismo, incorporaram na sua matriz, elementos do Catolicismo, e que ainda, por essência, carrega um perfil espírita, que no popular, muita gente chama de espiritismo de terreiro. Além de tudo isso, a Umbanda não trata apenas de trabalhar diretamente com os chamados "santos", orixás, caboclos de guia, enfim, existem tantos elementos importantes que caracterizam essa profissão de fé dessa gente. Uma delas são as rezas de cura. Outra são os remédios criados pelos Pais e Mães de Santo. Você sabe de uma coisa absurda que eu ouvi da boca daquele inconsequente?
___ Não. Se o amigo falar...
___ Pois saiba que ele teve a ousadia de dizer que em terreiro o negócio só é bom para visitar quando se estiver sem dinheiro para tomar cachaça, e que, como lá não falta, é pra lá que ele vai quando estiver com os bolsos vazios.
___ Ele ainda vai se prejudicar com esse tipo de comportamento e demonstração de mau caráter.
___ Se meu senso intuitivo não me engana, eu acho que ele já estar é colhendo o que tem plantado.
___ Ele pensa que Santo de Casa não obra milagre não é amigo?
___ O deixa pensar. Depois não vá procurar uma reza de cura com um Pai ou Mãe de Santo quando estiver na precisão.
___ Eu respeito a todos e a todas. São para mim, dignos e merecedores de respeito.
___ Cada um só dá o que tem.
___ Sim. E ele sabe o que faz Jofre.
___ E como sabe Demóstenes...

Fábio de Carvalho [Maranhão]

26/03/2017, 14h13min - 14h27min - Domingo, Cortês-PE, Escritório de Trabalho [Biblioteca Particular]

domingo, 19 de março de 2017

O Enterrado Vivo / Fábio de Carvalho [Maranhão]

XII

Geralmente quando as coisas andam complicando a vida de políticos influentes dá-se um jeito de encobrir os assuntos mais evidentes enxertando nos Jornais manipuladores, notícias sensacionalistas com o objetivo de tirar a atenção do povo quando os assuntos principais versam, por exemplo, sobre, Crise Penitenciária, que não é um problema de hoje e Delação Premiada da Lava-Jato. O fato mais recente relaciona-se a tal da Operação Carne Fraca, que em essência, é muito importante que se apure e punam-se os infratores. Só que mesmo no momento dessa falcatrua toda, a mídia, acolitada com alguns partidos políticos delatados, ao que me parece, tenta tirar o foco das notícias, deixando transparecer que só o tal problema é suficiente desencadear a 3.ª Guerra Mundial, e isso como se ela já não tivesse começado logo após o ano de 1945. Mas não quero me ater aqui em falar sobre essa cultura histórica do estupro sobre a coisa pública. O alvo de hoje é uma narrativa acerca do sujeito que foi enterrado vivo, e depois de quase oito anos, ressuscitou, abrindo e fechando a boca, feito peixe em rio de lama, parecido com a tragédia de Mariana-MG. 

Demerval Apocalíptico me foi apresentado por um velho amigo que morou lá para as bandas do interior paraibano, na cidade de Catolé do Rocha, Sertão. A ocasião foi favorecida quando em uma das minhas viagens para Itabaiana, encontrei, sem esperar, Vicêncio Vaqueiro, mais conhecido por Diabo dos Rodeios. O abraço foi travado, e depois, nos sentamos para tomarmos uma Cachaça Matuta, originária da cidade de Areia-PB no Bar de Geovane, na Rodoviária Tabainhense. Durante nossa conversa, surge Demerval. Figura abatida, usando vestes humildes, sandália e chapéu de couro, espora na mão, um palito de dentes atrás da orelha esquerda, um saco de fumo e uma caixa de fósforos no bolso da camisa. Trabalhava pelas fazendas da região, tomando conta de gado magro e bodes afoitos. Mas um problema lhe era recorrente, fora o de não ter família nem uma casa própria: não durava em serviço. Sempre estava rodando pelas fazendas a procura de um trabalho que lhe garantisse certa instabilidade, e quem sabe, o favorecesse a arranjar uma matuta gente boa para se casar.

___ Ande cá, Demerval. Chegue pra perto de nós. Vamos tomar uma e conhecer meu amigo aqui.

A cena se desenhava, e como observador que sou, percebi a resistência do indivíduo. Mas logo ele se aproximou e ficou mais a vontade. Demerval é desses sujeitos que falam pouco, especialmente em situações onde, por desventura, seja ele, vítima, como em Mário de Sá Carneiro, ao narrar A Confissão de Lúcio em 1914. Durante uma fala nossa e outra, em meio ao silêncio daquele sujeito Apocalíptico, emendei um adágio que muita gente do interior de Pernambuco costuma dizer:

___ Demerval, "conta a tua história".

De pronto, o amigo do meu velho amigo mirou meus olhos como se quisesse me falar algo além da sua história. Só que dessa vez, ele não calou. Engoliu um copo de cachaça e com um pedaço de queijo manteiga na mão, começou a narrar parte do seu legado...

___ Passei quase oito anos preso. Injustamente. Fizeram uma covardia comigo, só porque eu sou pobre. Lá na cadeia eu ficava em um quarto, pra não chamar cela, de quatro metros quadrados. Só dava pra cinco pessoas, mas sempre colocavam mais. A comida parecia lavagem. Menos o café da manhã. O banheiro só tinha um chuveiro, uma torneira e um buraco no chão para fazermos as nossas necessidades. E o pior é que o diabo do assassino confessou o crime, mas sabe como é não é? Quem tem amizade grande é outra coisa. Caiu pra mim toda culpa. Eu inexperiente, aceitei o dinheiro do condenado. Depois arranjaram um advogado pra mim, e na primeira tacada, tive que mandar vender quatro vacas holandesas de leite que eu tinha e dar ao infeliz metade do dinheiro que o bandido havia me dado para eu ficar calado. Mas eu não tive escolha. Se eu não tivesse aceitado, ele mandaria me apagar dentro do presídio. Depois disso, nunca mais vi a cara do advogado. Acho que nem era advogado. Foi tudo armação. Deram-me um papel para eu assinar que eu nem sei o que até hoje eu nem  sei o que foi. Deve ter sido um depoimento daqueles que os presos políticos eram obrigados a assinar na época da Ditadura Militar aqui no Brasil. Vai ver eu assinei foi a minha condenação. Eu decidi que aquele era o meu destino, pois eu temia pela minha vida. E o que o Adolfo fez não se faz. Imagina só: Colocar fogo com gasolina e tudo em uma casa grande de engenho só porque gostava da mulher do tal sujeito lá, que não sei nem o nome... Isso é coisa? Sobrou pra mim. Depois de cumprida a sentença, seu Maranhão, eu nunca mais achei os amigos antigos. Amigos não, pois nunca foram nem me visitar nem saber a verdade. Um tio que eu tinha endoidou por um rabo de saia e foi-se embora morar com uma jovem contando quase vinte e cinco anos mais nova do que ele. Dizem que foi-se embora para a Bahia. De resto, fiquei sujo. Quando os donos das fazendas descobrem "o que não fiz", me mandam embora e eu fico rodado. É sempre assim. Só tenho as roupas do corpo, essa faca de 12 e esse facão para usar no trabalho. Estar vendo aquele cachorro ali? Só não é meu porque não quero. Mas só vive atrás de mim. Não larga meu pé. E pra terminar, depois que conheci seu Vicêncio, o vaqueiro aqui foi que a coisa clareou um pouco, porque quando eu não arranjo trabalho, o amigo me socorre. Tirando isso, fui enterrado vivo durante quase oito anos... Mas graças a Deus eu ressuscitei, amigo...

___ Será que esse tráfico de influência ainda existe?
___ Hora, se existe!

Fábio de Carvalho [Maranhão]
19/03/2017, 08h31 - 09h33min- Domingo, Cortês-PE, Escritório de Trabalho [Biblioteca Particular].

domingo, 12 de março de 2017

O Surto Intelectual do Professor Zuan Açoeiro em Prol da Causa Humana / Fábio de Carvalho [Maranhão]

XI

Quando se escreve sobre a injustiça do mundo e posteriormente se publica, dois caminhos são convenientes para trilhar: continuar escrevendo e cumprir o dever de quem tem ao seu favor a palavra, resultante do compromisso próprio com a permanente missão intelectual ou transformar-se em um covarde, confirmando tua posição como característica própria,  por achar que não se pode dar jeito no mundo ou uma coisa qualquer desse tipo.

Em um tempo não muito remoto aos dias de hoje, travei muitas discussões com meu professor de filosofia sobre o ato de fazer algo pela humanidade e ao mesmo tempo, sobre o silêncio e a omissão dos que sempre estão a espera de algum osso para roer, feito os cachorros esfomeados ou migalhas das mesas fartas dos que representam o poder nas suas mais variadas esferas sociais. 

Muitas foram as discussões com direito a réplica e tréplica, mas sempre sob um nível de respeito, equilíbrio e discernimento suficientemente coerente para nossas conversas durarem horas, tanto de corpo presente quando pelo telefone, que por sinal, era menos frequente.

Certo dia, marcamos para nos encontrarmos em um café na praça de alimentação da faculdade e prometemos não conversar sobre as causas das dores do mundo, primeiro, como se fossemos conseguir não falar, segundo, como se quando falássemos sobre as dores do mundo, não estivéssemos nos referindo às dores das pessoas. É por isso que tínhamos uma opinião incomum sobre consertar o mundo, pois sempre nos referíamos a mudança das pessoas. Lembro-me que quando o professor Dr. Zuan Açoeiro se aproximou de mim usando seu casaco de couro preto, seu chapéu stetson adquirido em um sorteio realizado numa vaquejada em Bezerros-PE, sua bolsa de alça envolta do ombro esquerdo e apoiada no seu lado direito e na mão esquerda segurava um Neruda, cujo título não me recordo no momento, me olhou com aquele olhar de quem estava apreensivo e ao mesmo tempo ansioso, estendeu a mão direita emendando com a velha cordialidade:

___ Como vai o amigo que eu gostaria de ser se eu não fosse eu?

Eu, como sempre, sorri e travei-lhe um aperto de mão que quase quebro um dos seus dedos, pois entre um movimento e outro, ele se deslocou e quase não suportou a pressão. Mas como a recepção foi muito calorosa naquela noite, nem o professor nem eu percebemos a quase quebradura resultante da euforia inicial. 

___ O que temos para hoje, professor?
___ Temos tudo e nada.
___ Como sempre, não é?
___ Para quem quer aproveitar o tempo sobre alicerces profundos, estão aí,para todos, os ensaios, as literaturas, as obras de artes, a boa música, o teatro e a música erudita, a música popular...
___ Muita gente anda dormindo muito, não é professor?
___ Certamente! É preciso conhecer os livros, para saber como são as coisas, o porquê de outras, entender as relações sociais, o funcionamento das instituições, a mente humana, o dogmatismo religiosos, os adestramentos da mídia fascista e de partidos golpistas.
___ Compreendo bem o que o amigo estar me falando.
___ Imaginemos uma literatura bem escrita, um romance, onde é possível perceber, sob uma análise psicológica e do discurso do autor, como disse Nelson Rodrigues, "a vida como ela é". 
___ Quando li toda obra de Machado de Assis na primeira década do século XX, percebi a preocupação desse carioca e denunciar questões que implicavam a sociedade brasileira tanto no período Monárquico como no Republicano. Esse grande mestre da literatura brasileira teve o privilégio de analisar a transição desses dois sistemas políticos, mesmo tendo o segundo, dado continuidade a muitas sob aspectos políticos e econômicos do anterior. Machado de fato, soube cumprir com a causa maior que cabe a um escritor: denunciar de maneira inteligente as injustiças sociais, chamar atenção da sociedade através de narrativas cobertas de ironias acerca da ética politica, do espírito oportunista de muitas doutrinas religiosas, dos comportamentos dissimulados da humanidade, cujos mesmos foram analisados através da criação de personagens dispostos nos seus contos, crônicas, romances...
___ Vejo que o amigo estar inspirado e que realmente leu Machado de Assis. Temo constatar  em professores, que também possuem o compromisso social que carregam os escritores e poetas, a ausência da leitura, e antes dela, a paixão pela mesma bem como a consciência da sua missão. Quando lemos Drummond, nas entrelinhas de muitos dos seus versos, é possível constatar seu compromisso com a poesia, compromisso este que configura seu compromisso como autor que também possui compromisso social, com a vida, com o amor pela vida, com a renovação da vida...

Eu vi os olhos do professor Dr. Zuan, um brilho que gerou no seu olhar, uma expressão diferente. O café sobre a mesa, não lhe chamava atenção. Em súbito momento, tomado de uma inspiração Nietzscheana, o professor, ao observar a chegada de muitos alunos, paralisou o olhar sobre universitários dos mais variados cursos, mas em especial, direcionava seu discurso para os que tinham a missão acadêmica. Sem pestanejar, meu professor de filosofia subiu na cadeira da direita, que o esperava juntamente comigo para o café filosófico, e proferiu palavras da  sua alma:

___"Escutais minha gente!
Mas se não  abri-vos o coração seus ouvidos se fecharão para a mensagem que voz trago. 
Para ouvir o que vos tenho a dizer, 
é preciso estar atento, 
disposto, 
destinado a não apenas escutar o que as palavras traduzem, 
mas o que elas podem fazer com suas almas, mentes e corações. 
O que é uma missão e o que cada missão trazida por cada um de vocês representa para si e para a humanidade?
Quando esta missão fará a diferença, mesmo que o tempo pareça emperrado e as luzes do céu parecerem se apagarem?
O que se pode fazer com aquilo que se tem em termos de conhecimento,
que venha fazer a diferença para os que não tiveram a mesma oportunidade que os que me escutam?
Por que esperar o dia de amanhã para dizer: "Vou fazer",
se hoje mesmo cada um poderá iniciar seu projeto de mudança própria,
mudança esta que poderá refletir na mudança alheia?
Não se pode ler e não buscar na leitura, um projeto de emancipação.
São tantos os que me leem e me escutam que apenas olham para o tempo,
como se ele fosse esperar o momento de cada um para prosseguir ponteiro a fora, calendário a dentro...
Muitos dos que esperam são vencidos pela marcha deficiente da mente ilusória,
incapaz de dar o primeiro passo,
em busca da coragem que deve reger o cumprimento da missão ao qual todos estão encarregados de exercer.
Não estou aqui para dizer o que cada um deve fazer,
mas preciso lembrar que cada um precisa pensar sobre o que tem como missão,
e que toda missão não é só a trilha do seu mentor, 
mas também o antídoto de muitos enfermos do intelecto,
dos doentes da falta de oportunidades,
dos reféns do desigual e desonesto panorama socioeconômico.
Não deixem que o tempo consuma suas missões, 
seus propósitos, seus destinos.
Muitos destinos dispersos por aí,
dependem da missão de todos vocês,
especialmente porque abraçaram-na como missão.
Um café para todos por minha conta!!!"

O professor me comoveu tanto com seu discurso que acabei tomando seu café frio, enquanto ele, ao descer da cadeira, com o semblante emocionado, segurou minha mão, com um aperto caloroso, na outra mão o café quente que eu havia pedido, me dizendo:

___ Se essa gente toda aceitar o café que ofereci no final das minhas palavras, algo vai dar errado.
___ Calma professor! Vou pedir outro café para a gente continuar nossa conversa.
___ Vamos de quê agora?
___ Vamos com calma. Tenho um livro meu aqui para lhe mostrar. Acabei de revisar para a publicação.
___ Pois bem. Vamos vê-lo sim!
___ Como o senhor gosta de prosa, pensando esses dias no meu escritório de trabalho...

Fábio de Carvalho [Maranhão]

12/03/2017, 16h - 17h31min- Domingo, Cortês-PE, Escritório de Trabalho [Biblioteca Particular].

domingo, 5 de março de 2017

Papa Francisco Tem Toda Razão / Fábio de Carvalho [MARANHÃO]


X

Muita gente que por um motivo ou outro deixa para sair do armário quando chega o carnaval. Até me lembro daquela música de Chico  e mesmo assim, concluo que a maioria desse pessoal sequer cantaria um trecho de qualquer letra do acervo Buarqueano. Às vezes, essa gente não tem culpa, pois quando vão analisar o próprio histórico cultural, não encontra na sua árvore genealógica alguém que se tornou amante de uma boa MPB, Bossa Nova, nenhum estilo de música que diga "Benza-te Deus!", e ainda assim, existem os ateus e agnósticos, que merecem todo respeito, que não usariam essa máxima. Muitos agradecem e evocam o acaso, e diante disso confesso: O Papa Francisco tem toda razão ao fazer reflexões acerca da obrigação de todos serem o que é, e não se esconder por trás das cortinas, de discursos infames e de práticas que mancham famílias, segmentos, instituições...

Esses dias, quando na quinta-feira após a quarta-feira Santa, após o Carnaval, eu pude observar uma cena que, tendo eu observado alguns comportamentos de natureza quase que hedionda por parte de alguns foliões, denuncia a hipocrisia já denunciada por mim em outro escrito. 

Os fatos ocorreram na cidade é Cortês, que fica no Estado de Pernambuco, Nordeste brasileiro. Quando chega essa época festiva, muita gente aproveita para "tirar o atraso", e esquecendo-se da imagem própria que se faz necessário zelar, pois "o exemplo é uma arma que pode transformar-se em bumerangue ofensivo", enchem a cara para ofender o "amigo" que antes era amigo, para dar em cima da esposa alheia, para passar a mão nas pernas das jovens foliãs dentro dos blocos e troças, para ofender com palavrões de toda a espécie candidatos eleitos e não eleitos por não ser da sua laia, até para dar uma de besta e, bêbado, sair sem pagar a conta coma desculpa de "vou aqui no banheiro público"... 

Eu estava do lado de um grupo de pessoas quando ouvi o tal fulano perguntar:
___ Para onde foi aquele crápula?
___ Foi ao banheiro público.
___ E só da vontade de ir na hora de pagar a conta é?
...

Esse é apenas um dos esdrúxulos exemplos da canalhice que se pode ver nessa época de carnaval.  
___ Mas meu amigo, essas coisas só se passa no carnaval é?
___ Não, não! Mas essa época deixa as pessoas mais encorajadas para fazer o que não presta e estar no gênio delas. A desculpa depois será colocada na bebida, e logo, estará tudo certo...

Outro momento intrigante foi quando vi um tal sujeito, amigo de Deus e do Diabo, cercando uma sujeita que ia com uma bolsa em uma das mãos, sua filha pegada na outra e ao lado, uma amiga, contando uns 18 anos, quase cor de leite e cabelos lisos e negros. Mais parecia uma modelo holandesa, mas sem os cabelos loiros. Fiquei observando a situação por não ter outra escolha, pois eu esperava o transito acalmar para atravessar a rua, então não pude evitar ver o assédio quando aquele homem caridoso ofereceu-lhes uma carona até em casa. Não me causou espanto tal situação. Uma é casada, a outra estar quase noiva. Conclui que o bom rapaz ficou com dó da criança, já que iriam andar uns vinte minutos até chegarem em casa. 

___ O que pensar de um rapaz desses? E no pensamento a voz de Coxinha soando em tom sarcástico: "___É ou não é, amizade?"
No mesmo tom, como se fosse um Doquinha, o amigo respondeu com tranquilidade, mas sem aprovar a ação estratégica do tal sujeito caridoso: "___É siiiiiimmmm!!!"

Mas para minha maior surpresa, mesmo observando tantos comportamentos sem aprovação da minha parte, um me chamou uma atenção sem limites. Trata-se de um sujeito de uma família de gente de bem, mas como já falei no início, "o carnaval também é um profeta, pois revela muitascoisa"

Três fatos ocorreram com esse amigo dos outros. O primeiro foi durante a apresentação de um Bloco local, cujo mesmo já sai ha alguns anos, e sem perceber que muitos observavam o que ele gritava ao  passar em frente a uma residência de um político derrotado nas eleições passadas, já cheio de todo tipo de cachaça, gritava palavrões com tanta ira, que até pensei que a veia do seu pescoço e da sua testa iria romper. Mas graças a Deus, aos Deuses de cada um estiver lendo esta crônica e ao Acaso, não presenciei o pior. O negócio foi tão sério que eu não pretendo escrever as palavras de maldição que o tal sujeito pronunciou, mas com certeza, vontade não me falta.

O segundo fato observado por mim foi muito rápido. Esse ocorreu na quarta-feira de Cinzas, dia Santo para Cristãos. Do portão da minha casa, constatei o chamador de palavrões e rogador de pragas vindo em direção a minha residência, caminhando como se fosse um santo, bem vestido, e dessa vez, não vinha como no Carnaval, com uma diadema diabólica na cabeça e o tridente do satanás em uma das mãos, pois a outra segurava a cachaça. Não carregava Bíblia, dessa vez, nem estava vestido de branco, como  anjos celestiais são desenhados, mas vinha com uma marca de cinzas bem no meio da testa. Tão satisfeito ele caminhava, com um ar de pureza espiritual sem fim, que eu quase acreditei que era a imagem do Santo Padre João Paulo II e quase corria para me ajoelhar aos seus pés para lhe pedir sua bênção.

___ É de arrepiar uma história dessas, amizade!
___ É nada, de arrepiar é o que eu vou contar agora.

Na quinta-feira, o terceiro fato se desenhou de uma forma que eu quase não constatei. Por volta de cinco e dez da manhã, quando atravessei a Rua Celso Borba e dobrei mesmo na encruzilhada com a Rua Arthur Siqueira para pegar o transporte para garantir minha chegada ao trabalho, quase me encobrindo, pois eu estava quase pisando no chão do antigo Hospital Elvira Valença Borba, olhei para trás, e vi uma multidão seguindo ainda pela Rua Arthur Siqueira.

___ E essa gente, quem era?
___ Era a procissão da quaresma. Todos os anos as Santas Peregrinações acontecem. Quando escuto, vejo ou participo de alguma, a lembrança da minha tia-madrinha e avó Irene Carvalho ascende feito o sol do meio dia em tempos de verão. Mas deixe eu lhe contar. Imagina quem estava na frente da procissão?
___ Claro que era o Padre!
___ Eu falo depois do padre, parecendo um Santo, segurando uma espécie de galho verde, como é típico seu uso nas procissões da Quaresma. 
___ Era ele mesmo?
___ Hora se era. Era ele, bem vestido, olhar manso, cantarolando um antigo do tempo da minha Tia Irene. Tão penalizado, ele caminhava, que mais parecia um penitente...
___ Esse amizade não presta!
___ Eu? Mas é a verdade. Esse pessoal não mede as consequências do que fazem. Levam muito a sério um Carnaval, misturando as coisas e achando que ódio leva alguém ao progresso pessoal e principalmente que vai chegar a lugar algum.
___ Concordo. 
___ Mas me fala uma coisa amizade: Isso não é olhar a vida dos outros não? Pois veja mesmo, você viu muita coisa da mesma pessoa. 
___ Em primeiro lugar, eu não saio com esse intuito. Em segundo, a minha visão aguça muito meu mecanismo literário. E pra te ser sincero, eu até me sinto bem ampliando meu olhar sobre as coisas. O que seria da humanidade sem a literatura, essa fonte tão fecunda de tudo e para todos?...
___ Compreendo.
___ É por isso que eu tenho dito: Papa Francisco tem toda razão quando fala que "É melhor ser ateu do que católico hipócrita".
___ Um grande puxão de orelhas nos católicos, hein amizade?
___ Só nos católicos? 
___ E não?
___ A hipocrisia anda reinando meu amigo. Ele é o Pastor dos Católicos, mas o recado foi para a humanidade. Copiou?
___ Copiei.
___ Mas não é para decorar, é para refletir.
___ Imagine o meu...


Fábio de Carvalho [Maranhão]
05/03/2017,17h31min - 18h33min- Domingo, Cortês-PE, Escritório de Trabalho [Biblioteca Particular].