II
Não pretendo aqui pregar um saudosismo
irreal ou desenhar um modesto perfil de quem gosta de recordar as coisas. Nem
sempre sou assim. Mas olhando esses dias umas fotografias da velha casa, que
hoje resido, porém modificada neste nosso presente, vi nos detalhes de alguns
móveis, que eles não traduzem aquilo que enxergamos à primeira vista, pois para
mim, que os vi, todos, em épocas remotas a esta, sendo usados por quase todas
aquelas pessoas das fotografias, que em sua maioria já se foram, eles são de
todo, fragmentos de histórias que marcaram a minha infância e adolescência. Mas
por falar nisso, os móveis me fizeram lembrar algo que sempre tive vontade de
escrever: a tal da obsolescência programada que as coisas de hoje carregam. Com
os móveis não é diferente. Talvez esta palavra "obsolescência" não
seja a palavra mais adequada àquilo que desejo dizer, mas basta adaptar seu
sentido que ficará clara a minha crítica. Vejamos: quando morei com a minha
tia-madrinha-avó Irene Teixeira de Carvalho, mais conhecida como Irene do
Cartório, até meus quase dezoito anos, tive o prazer de vê nos tipos dos
móveis, a qualidade e o retrato de outro tempo. Não faço crítica nem quero
matar a paulada o gosto de quem tem tara por móveis MDF, pois sei que gosto é
uma questão pessoal e que vai além disso, e concluo dizendo que nesse
meio existem duas coisas que é muito presente no mundo pós-moderno: o consumo e
a vaidade, e isso gera um aumento desregrado do consumo desses móveis que não
aguentam uma pingueira em atividade por meia hora. Mas ainda assim precisamos
falar mais sobre ambientes sustentáveis e o reaproveitamento de coisas que
mantenham o mundo da reciclagem ativo, e por isso, a Mãe Natureza através de
Oxossi, o Orixá das Matas (Salve!) agradece, o que respeitosamente em um
sincretismo religioso, é representado pelo nosso São Sebastião. Pois bem, a
Avenida São Francisco me faz recordar muito bem esses detalhes, e eu acabo
pensando como pessoas dão tanto valor as coisas que não tem durabilidade e
qualidade. É preciso pensar bem sobre o que de bom as coisas nos oferecem.
Penso as vezes que momentos meus vividos em outras encarnações são reacendidos
quando, sem querer, vejo, todo ou até mesmo lembro daquele guarda-roupa, velho
mas muito bem conservado, aquela forte cômoda, a mesa da cozinha e a mesinha
que minha saudosa Tia rezava à Nossa Senhora. São essas coisas que me fazem
dizer que os móveis me dizem mais do que o que a visão capta.
Lembro-me que certa vez, ao tentar fechar
uma gaveta da cômoda do ultimo quarto, que antes era dispensa, machuquei o dedo
ao ponto da unha do dedão ficar rocha. Soltei um palavrão que depois me doeu a
alma, pois como nunca chamei um nome daqueles na frente da minha Tia, a
consciência me pesou. Não me pesou a consciência pelo fato de Tia Irene ter
escutado, pois ela não escutou, foi porque me lembrei de Tio Valdo (Julivaldo,
originalmente), que quando se aperreava chamava tantos palavrões, que quando o
repertório acabava, ele inventava nomes que nem eu sabia o que era. Foi-se para
o Juazeiro e não voltou mais. Jurou que morreria por lá mesmo e que no dizer
dele "Nunca mais volto
aqui para votar em ninguém nesta cidade". Cortês havia acabado para meu
Tio.
Mas voltando ao assunto dos móveis
antigos, que são para mim, de uma simplicidade enorme, tornam-se tão grandiosos
pelo fato de me dizerem e me fazerem sentir coisas que eu jamais imaginaria que
sentiria e lembraria...
O sofá da primeira sala, por sua vez, não
me deixa esquecer Tia Irene, Tio Valdo, Tio Róga, Tio Toinho, Dona Odete, Dona
Maria da Água...
E a Frente, os Janelões e a Porta da Casa
original?! Sobre esses eu nem quero falar...
Meu Deus! E eu que pensava que os móveis
não falavam. Mas é isto mesmo! As coisas simples às vezes são assim...
Fábio de Carvalho
[Maranhão]
08/01/2017, 16h51min
Domingo, Cortês-PE - Sala da Minha Residência.
Fotografia : Acervo Pessoal: (Nossa Casa) Érica , Irene Cavalho e Fábio de Carvalho |
Fotografia : Acervo Pessoal. Irene Cavalho e Fábio de Carvalho |
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